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Bagaço de uva vira alimentos funcionais

  • 25/11/2014
  • "Os extratos concentrados obtidos a partir dos bagaços de uva apresentaram atividade antioxidante 50% maior que a polpa do açaí", conta a pesquisadora Ana Paula Gil Cruz.

Pesquisa desenvolvida na Embrapa gerou um insumo proveniente do bagaço da uva com alto teor de compostos funcionais que poderá ser utilizado em forma aquosa ou em pó pelas indústrias alimentícia, farmacêutica e cosmética. "Os extratos concentrados obtidos a partir dos bagaços de uva apresentaram atividade antioxidante 50% maior que a polpa do açaí", conta a pesquisadora Ana Paula Gil Cruz, que integrou a equipe do projeto como bolsista de doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A sua tese, que investigou a transformação de resíduos da uva em alimentos funcionais, ganhou o Prêmio Arikerne Sucupira como melhor trabalho de pós-graduação no 4º Encontro da Escola Brasileira de Química Verde. Desenvolvido no âmbito de um projeto de pesquisa da Embrapa em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisa obteve produtos de alto valor nutricional e funcional como barras de cereais e bebidas pró-bióticas, a partir de bagaço de uva, um coproduto geralmente descartado pela indústria. O aproveitamento, além de agregar valor, reduz o passivo ambiental e colabora para a sustentabilidade das cadeias produtivas do agronegócio. O projeto teve como foco as indústrias de suco de uva e vinho do Rio de Grande do Sul e contou com a parceria da Embrapa Uva e Vinho (Bento Gonçalves, RS). Estima-se que o bagaço corresponda a 16% da uva processada, o que equivale à geração de 210 mil toneladas por ano. O descarte dessa montanha de resíduos gera um enorme passivo ambiental. Em 2013, a safra brasileira de uva foi de aproximadamente 1,3 milhão de toneladas, das quais 836 mil foram destinadas ao processamento, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O bagaço da uva possui uma rica composição nutricional e funcional, favorecendo sua utilização como ingrediente de novos produtos de interesse industrial. "Avaliamos a capacidade antioxidante e a concentração de polifenóis das cascas de diferentes variedades de uvas para geração de um extrato rico em compostos bioativos de grande interesse comercial. Desenvolvemos também produtos pró-bióticos de leite fermentado e suco de uva, a partir dos resíduos gerados pela produção de vinhos e sucos," conta a líder do projeto, Lourdes Cabral. A pesquisadora, que é chefe-geral da Embrapa Agroindústria de Alimentos (Rio de Janeiro, RJ), disse que a equipe também testou um novo processo para a extração do óleo de sementes de uva. A partir dos resíduos da fruta, as pesquisadoras avaliaram principalmente o potencial de aplicação do extrato e do resíduo sólido da prensagem do bagaço de uva como ingrediente para fabricação de bebidas funcionais. Associar bactérias pró-bióticas ao suco de uva ou ao leite fermentado de cabra gerou produtos com características diferenciadas voltadas à nutrição e saúde. "Aliamos os benefícios do leite de cabra, como baixo teor de gordura, elevada capacidade de digestão e menor potencial alergênico, à adição de compostos bioativos (polifenóis) derivados dos resíduos da uva. A bebida pró-biótica de leite de cabra adicionada ao extrato de uva possui cor e sabor aprovados em testes sensoriais, sendo altamente indicada para crianças e idosos", explica a pesquisadora Karina Olbrich dos Santos, à época na equipe da Embrapa Caprinos e Ovinos (Sobral, CE) e agora na Embrapa Agroindústria de Alimentos. O bagaço de uva também pode ser transformado em barrinhas de cereais, como apontou o trabalho da pesquisadora Renata Tonon; ou gerar um extrato rico em fibras solúveis para a indústria alimentícia, segundo pesquisa em andamento, sob coordenação da pesquisadora Caroline Mellinger, ambas da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Agente anticorrosivo Outra aplicação testada e aprovada é o uso de extrato de uva como agente inibidor de corrosão pela indústria metalúrgica, devido à sua alta capacidade antioxidante. Os resultados foram gerados pela equipe do professor José Ponciano, da área de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, da Coordenação de Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da UFRJ. O bagaço contém outro coproduto de alto valor agregado: a semente, que gera óleo vegetal. Por essa razão, o projeto também definiu condições para a extração do óleo de sementes de uva, a partir de resíduos do processamento por processo físico, ou seja, não utilizando solventes químicos derivados do petróleo. Os óleos obtidos a partir de resíduos da agroindústria apresentam, em geral, elevados índices de acidez verificados durante o processamento pós-colheita do fruto. A pesquisa coordenada pela professora Suely Freitas da Escola de Química da UFRJ, identificou que a tecnologia de prensagem combinada com processos enzimáticos é uma alternativa para substituir o processo convencional, mantendo a eficiência de extração e a qualidade do produto final. "O refino tradicional pelo método da neutralização, além dos impactos ambientais, causa uma perda considerável de óleo neutro devido à formação de emulsão. O processo físico é uma alternativa sustentável para superar essas dificuldades", ressalta a pesquisadora Lourdes Cabral. Processos industriais ecologicamente corretos Tradicionalmente, a indústria utiliza reagentes químicos para a redução da acidez dos óleos vegetais para que possam ser comercializados. Esse processo gera efluentes que precisam ser tratados para não causar danos ao meio ambiente. Além da tecnologia de prensagem combinada com processos enzimáticos utilizada na produção de óleo de semente de uva já apresentada, outra alternativa ecologicamente correta para essa questão é explorada pelo projeto "Desacidificação de óleos vegetais por meio de tecnologia de membranas", liderado pela pesquisadora Andréa Guedes da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Trata-se de um método que pode ser utilizado nas indústrias de alimentos e de cosméticos, com maior eficiência energética e menor impacto ambiental. Aprovado no Edital de Química Verde da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), a pesquisa visa a diminuir a acidez de óleos vegetais por meio da tecnologia de membranas, utilizando um processo físico sem o uso de solventes químicos. "Utilizamos um sistema de separação para reduzir o teor dos ácidos graxos livres presentes nos óleos vegetais pela tecnologia de membranas, e assim identificar as variáveis que interferem no processo, buscando o melhor resultado possível", explica a pesquisadora Andréa Guedes. Membranas podem ser definidas como barreiras seletivas que permitem tanto a remoção de compostos indesejáveis como a recuperação de compostos de alto valor agregado. Outra vantagem da aplicação dessa tecnologia é a preservação das propriedades, características sensoriais e compostos bioativos dos produtos. A aplicação dos processos de separação por membranas na indústria alimentícia ocorrem, frequentemente, em temperatura ambiente, permitindo a preservação das substâncias termossensíveis, que conferem sabor e aroma a estes produtos, além de conservar as propriedades vitamínicas. Química verde: novos caminhos para o agronegócio A utilização de tecnologias e processos menos poluentes, substituição de materiais tóxicos, reaproveitamento de resíduos e eficiência de consumo de recursos representam uma tendência econômica atual, chamada de bioeconomia. Essa nova conformação econômica envolve a fabricação de insumos agrícolas, combustíveis, produtos químicos, bioplásticos, compostos para a indústria alimentícia e cosméticos em processos ecologicamente adequados. A nova biotecnologia ligada à Química Verde* fortalece a relação entre a agricultura e a indústria, tornando-as partes integrais de um mesmo processo: "É uma nova forma de ver o material vegetal de forma integral, não só como fonte de alimentos, mas também para a produção de ração, adubo, fibras, novos produtos de alto valor agregado, visando ao aproveitamento máximo da planta e, consequentemente, à redução na produção de resíduos", afirma Humberto Bizzo, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos. O Brasil está em uma posição muito favorável em relação aos estudos sobre química verde e à utilização da biomassa como fonte de energia e matérias-primas para a indústria. O País recebe uma quantidade constante e intensa de radiação solar e possui acesso à maior concentração de biodiversidade do planeta, abundantes fontes de água doce e diversidade considerável com microclimas e ecossistemas distintos. Atualmente, há uma constante busca por matérias-primas renováveis que possam ser empregadas para a produção de biocombustíveis e químicos de alto valor agregado, devido à necessidade de alteração da matriz energética, fortemente associada aos combustíveis fósseis. Entre 2014 e 2024, mais de 3,7 bilhões de euros serão injetados na economia europeia em uma parceria público-privada (PPP) para desenvolver um setor emergente da bioeconomia: as indústrias de base biológica. Entre 2014 e 2015, a Comissão Europeia investirá 250 milhões de euros e o setor privado deverá contribuir com cerca de três vezes mais em financiamento de projetos de pesquisa e inovação, em setores como alimentos, produtos químicos, energia, papel e celulose. Dessa forma, a biologia está se tornando um poderoso vetor de dinamismo da economia mundial, como base da inovação no século XXI. O Brasil tem condições de alavancar os potenciais econômicos e de sustentabilidade da nova bioindústria (veja infográfico), tanto para intensificar a produção de alimentos, fibras e energia limpa, como para desenvolver uma nova e pujante indústria de químicos renováveis, sem competição com a produção de alimentos. "A biotecnologia assegurará que a agropecuária brasileira se mantenha competitiva, com autonomia para perseguir estratégias nacionais importantes e capazes e rapidamente responder aos desafios da bioeconomia do futuro", aponta o relatório Visão 2014–2034: O Futuro do Desenvolvimento Tecnológico da Agropecuária Brasileira, produzido pela Embrapa.

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